06 May
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No âmbito do comércio exterior, é recorrente a prática da Administração Tributária de condicionar o desembaraço aduaneiro de mercadorias ao pagamento de valores apurados em razão de divergência na classificação fiscal dos bens. Tal conduta, no entanto, afronta princípios constitucionais e legais que regem o procedimento fiscal e a atuação da autoridade aduaneira. 

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento da Apelação Cível nº 0027818-68.2017.4.02.5001, enfrentou exatamente essa controvérsia. 

Na hipótese, a impetrante teve o desembaraço de suas mercadorias interrompido em decorrência de reclassificação fiscal realizada pela Receita Federal, que passou a exigir o recolhimento de tributos, juros e multa, bem como a prestação de caução como condição para continuidade do procedimento: 

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. ESPECIALIZAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. RECLASSIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA. RETENÇÃO DE MERCADORIAS. LIBERAÇÃO CONDICIONADA A PAGAMENTO DE EXAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Mantém-se a sentença, também submetida a reexame necessário, que, confirmando a liminar, concedeu a segurança para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de interromper o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas pela impetrante, independentemente de eventual necessidade de correção da classificação fiscal, apresentação de garantia ou caução e do consequente recolhimento da diferença de tributos e multa. 2. Em que pesem precedentes idênticos à presente hipótese julgados por Turmas especializadas em Direito Tributário, a matéria é administrativa, porquanto referente a desembaraço aduaneiro, em que arguida a ilegalidade da interrupção do procedimento, com apreensão de mercadorias, condicionada a liberação dos produtos ao pagamento de exações, como meio coercitivo. Não há insurgência à matéria tributária propriamente dita, competindo às Turmas especializadas em direito administrativo apreciar a controvérsia. 3. O STF no RE 1.090.591 RG, em 25/4/2019, reconheceu a repercussão geral sobre a "controvérsia alusiva ao condicionamento do despacho aduaneiro de bens importados ao pagamento de diferenças apuradas por arbitramento da autoridade fiscal" (Tema 1042), sem, entretanto, suspender as demandas em território nacional, inexistindo empecilho ao julgamento do mérito recursal. 4. No caso, conforme as informações prestadas, a divergência na classificação tarifária das mercadorias, com impactos na alíquota de imposto de importação aplicável, acarretou a exigência de diferenças tributárias, juros e multa pelo Fisco, com interrupção do desembaraço e retenção dos bens da empresa enquanto não houver o pagamento. 5. O Decreto-Lei nº 37/1966 e o Decreto nº 6.759/2009 não preveem a retenção de mercadorias pela autoridade fiscal, nem condicionam a continuidade do desembaraço aduaneiro ao recolhimento de exações, inexistindo óbice ao prosseguimento do procedimento, nas hipóteses de classificação fiscal incorreta. 6. A reclassificação fiscal não pode impedir a continuidade o desembaraço, descabendo a exigência de pagamentos, à luz da Súmula 323 do STF, preconizando que "É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos", bem como de prestação de garantia para liberação de bens, devendo a autoridade administrativa observar o procedimento fiscal previsto na legislação para satisfação dos créditos tributários respectivos. Precedentes. 7. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF2 - Apelação / Reexame Necessário - 0027818-68.2017.4.02.5001, Relator: DES. FED. ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA, Data de Julgamento: 28/09/2020, Data de Publicação: 05/10/2020)

O acórdão confirmou a sentença concessiva da segurança, firmando as seguintes premissas: 

A ilegalidade da retenção de bens como medida coercitiva para a satisfação de crédito tributário, à luz da Súmula 323 do STF, segundo a qual “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”; 

A inaplicabilidade de condicionantes à continuidade do desembaraço aduaneiro, ainda que haja controvérsia quanto à classificação fiscal ou exigência de pagamento complementar; 

A distinção entre matéria tributária e matéria administrativa, assentando-se que a controvérsia se insere no campo do direito administrativo aduaneiro, uma vez que trata da legalidade de atos de polícia administrativa e não da constituição do crédito tributário em si; 

A ausência de previsão legal, tanto no Decreto-Lei nº 37/1966 quanto no Decreto nº 6.759/2009, que autorize a retenção de mercadorias em hipóteses como a dos autos.

 O acórdão ainda faz referência ao Tema 1042 da Repercussão Geral, reconhecido pelo STF no RE 1.090.591, que trata da possibilidade de condicionamento do despacho aduaneiro ao pagamento de tributo apurado por arbitramento, sem, contudo, determinar a suspensão nacional dos feitos sobre o tema — o que autoriza o prosseguimento e julgamento das ações em curso. 

O precedente em questão reafirma importantes garantias do contribuinte no âmbito aduaneiro, especialmente no que tange à legalidade dos atos administrativos, ao devido processo legal e à impossibilidade de medidas coercitivas indiretas.

Ressalta-se, ainda, a necessidade de que a atuação da autoridade fiscal observe os limites impostos pelo ordenamento jurídico, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. 

O julgado contribui para o fortalecimento da segurança jurídica nas operações de comércio exterior, protegendo empresas de práticas abusivas e assegurando que eventuais controvérsias fiscais sejam tratadas no âmbito adequado, com pleno respeito aos direitos do contribuinte. 

Referência: TRF2 – Apelação / Reexame Necessário – 0027818-68.2017.4.02.5001 Relator: Des. Fed. Antonio Henrique Correa da Silva Julgamento: 28/09/2020 | Publicação: 05/10/2020 #DireitoAduaneiro #ComércioExterior #Súmula323 #ProcessoAdministrativo #DesembaraçoAduaneiro #TRF2 #SegurançaJurídica #DireitoTributário #AdministraçãoPública #ComplianceAduaneiro

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